Na sexta-feira (05/05), a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o tão aguardado fim da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional referente à Covid-19. A tendência de queda no número de mortes, o declínio nas hospitalizações e internações em Unidades de Terapia Intensiva e os altos níveis de imunidade da população ao coronavírus foram fatores determinantes para esta deliberação. Mas, mesmo neste cenário de transição - do modo de “emergência” para o de “manejo” da Covid -, ainda nos perguntamos como algumas pessoas não pegaram essa doença, inclusive no auge da pandemia?
O Blog Saúde e Você falou com o Dr. Paulo Ernesto Gewehr Filho, médico infectologista do Hospital Moinhos de Vento, sobre o tema:
Porquê algumas pessoas não pegaram Covid, mesmo no auge do período de contaminação?
Dr. Paulo Ernesto Gewehr Filho - Algumas pessoas não pegaram Covid devido a diversos fatores: internos e externos. Como fator externo, podemos citar as medidas de prevenção, que se mostraram muito eficazes (como o uso de máscaras, o isolamento, a quarentena, a lavagem de mãos, a etiqueta respiratória e a opção por ficar em lugares bem ventilados, entre outros). Como fatores internos, temos vários candidatos que podem influenciar na prevenção e na intensidade dos sintomas, como a genética, o histórico de infecções prévias e outras condições de saúde, como doenças crônicas e o uso de medicamentos que afetam o sistema imunológico.
O que a Ciência e a Medicina nos dizem a respeito?
Dr. Paulo Ernesto Gewehr Filho - Este tema ainda não foi totalmente esclarecido pela Ciência, contudo, existem estudos que mostram que algumas pessoas não vacinadas expostas à Covid não desenvolveram a doença e nem produziram anticorpos, mas apresentaram células de defesa em maior quantidade e mais eficazes na eliminação do vírus.
Uma outra teoria diz que as infecções prévias por outros vírus, causadores de até 30% dos resfriados comuns, ensinaram o sistema imunológico destes indivíduos a se defenderem de outros Coronavírus semelhantes, inclusive o da Covid-19. Essa proteção aconteceu através das células de defesa pré-existentes chamadas de linfócitos do tipo “T” de memória cruzada, que, em várias análises, mostraram-se em maior quantidade nos indivíduos expostos e que não adoeciam.
Essas pessoas que não adoeceram de Covid teriam uma genética diferenciada?
Dr. Paulo Ernesto Gewehr Filho - Existem dados que falam sobre a influência genética como fator de proteção ou risco de adoecimento, inclusive na intensidade dos sintomas. Um estudo mostrou que pessoas que possuem o gene “'HLA-DRB1 * 1302” são significativamente mais propensas a ter infecção sintomática, do que os que não o possuem.
Atualmente, vários levantamentos buscam identificar os genes relacionados à resposta do organismo à infecção pela Covid, como o “HLA-DOB” e o “HLA-A”, localizados na região do Cromossomo 6, conhecida como Complexo Principal de Histocompatibilidade (“MHC”, na sigla em inglês), e o “MUC22”, entre outros.
Será que os indivíduos que não pegaram Covid são pessoas extremamente saudáveis, com a imunidade em alta?
Dr. Paulo Ernesto Gewehr Filho - De uma forma geral, indivíduos mais saudáveis estão mais protegidos do que pessoas da mesma idade, que possuem fatores de risco, como doenças crônicas e tratamentos que afetam o funcionamento do sistema imunológico.
Mas é importante esclarecer que existem vários aspectos que influenciam, tanto na chance de se infectar, quanto na gravidade da doença. Isto explica porque, em alguns casos, pacientes jovens e saudáveis se infectaram e tiveram uma apresentação grave da Covid-19.
E quem não pegou a doença até agora, ainda precisa se vacinar?
Dr. Paulo Ernesto Gewehr Filho - A indicação de vacinação continua para todos os indivíduos, a partir dos 6 meses de idade, principalmente para aqueles pertencentes aos grupos de maior risco, com as enfermidades abaixo:
◾️Diabetes;
◾️Pneumopatias crônicas graves (como asma grave e fibrose cística);
◾️Hipertensão arterial resistente, hipertensão arterial (estágio 3) e hipertensão arterial (estágios 1 e 2, com lesão em órgão-alvo e/ou comorbidade);
◾️Doenças cardiovasculares (como insuficiência cardíaca, hipertensão pulmonar, síndromes coronarianas, arritmias cardíacas, cardiopatias congênitas e dispositivos cardíacos implantados);
◾️Doença cerebrovascular (como AVC);
◾️Doenças cardiológicas e neurológicas crônicas específicas e hemoglobinopatias grave;
◾️Doença renal crônica (estágio 3 ou mais);
◾️Imunossuprimidos (como transplantados, pessoas com HIV e pacientes oncológicos);
◾️Hemoglobinopatias graves;
◾️Obesidade mórbida (IMC >40);
◾️Cirrose Hepática.
Dr. Paulo Ernesto Gewehr Filho - A vacinação também é amplamente indicada para pessoas transplantadas de órgão sólido ou de medula óssea, ou vivendo com HIV (PVHIV), ou que possuam doenças inflamatórias imunomediadas em atividade e em uso de corticoides em doses ≥ 20 mg/dia de prednisona ou equivalente por ≥ 14 dias. Ou para crianças que necessitam de doses de prednisona ou equivalente a ≥ 2 mg/Kg/dia, por mais de 14 dias, até 10 Kg.
Também para pacientes que fizerem uso de imunossupressores e/ou imunobiológicos (que levam à imunossupressão), ou que tenham erros inatos da imunidade (imunodeficiências primárias), ou com com doença renal crônica em hemodiálise. Ou pacientes oncológicos que realizaram tratamentos quimioterápico ou radioterápico nos últimos seis meses e indivíduos com neoplasias hematológicas.
Qual é a mensagem que o senhor deixa a essas pessoas que preferem acreditar na "sorte" e ainda se recusam a tomar a vacina?
Dr. Paulo Ernesto Gewehr Filho - Gostaria de enfatizar que a orientação é para que toda a população se vacine, a partir dos 6 meses de vida, pois a Covid-19 afeta a todos, principalmente os indivíduos com risco moderado a alto de complicações. No início da pandemia, quando ainda não tínhamos vacinas disponíveis, perdemos muitas vidas para a Covid-19. Hoje, existem vacinas modernas, seguras e eficazes contra a Covid, gratuitas e de fácil acesso à população, que foram responsáveis por salvar a vida de milhões de pessoas no mundo inteiro. Não devemos contar com a “sorte”, pois o impacto de um caso de Covid grave é devastador para a pessoa, sua família e amigos, e toda a sociedade. E, enquanto pudermos prevenir casos graves e principalmente mortes, não devemos medir esforços para levar a vacina a todos.
Não podemos baixar a guarda, pois a doença ainda mata
Vale lembrar que, de acordo com a OMS, a Covid-19 segue sendo uma ameaça à saúde. A propagação mundial da doença continua caracterizada como pandemia. Afinal, ainda é responsável por tirar uma vida a cada três minutos, no mundo.
Por sua vez, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) destacou a importância da vacinação, mesmo neste novo momento. “Não devemos baixar a guarda, precisamos continuar vacinando os grupos vulneráveis e fortalecendo a vigilância”, argumentou o diretor da OPAS, Jarbas Barbosa, na página da entidade.