Há um ano, em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou que o mundo vivia uma pandemia causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2). As inúmeras situações geradas pela COVID-19 vem causando danos não só à saúde física, mas também à saúde mental das pessoas: “Fala-se desde já em epidemia paralela com piora da saúde mental da população”, alerta a médica do Serviço de Psiquiatria do Hospital Moinhos de Vento, Marcia Surdo Pereira. Para entender a dimensão deste impacto, conversamos com a médica. Confira:
A reação ao estresse difere de pessoa para pessoa. Há um ano pôde se observar sentimentos de solidariedade e empatia entre a maioria das pessoas. Com o prolongamento do período da pandemia sobreveio a expectativa misturada à incerteza com relação ao futuro e um dia a dia com restrições de circulação. A restrição para o trabalho e a restrição de convívio entre as famílias fez com que aumentassem os sentimentos de ansiedade, medo, tédio e solidão. Lidar com algo invisível como este vírus e que tem trazido tantos danos humanos, econômicos e sociais tem feito crescer também os sentimentos de desamparo, tristeza e impotência. A mudança foi brutal na vida da população com a perda de liberdade e as preocupações com as perdas econômicas, isto faz com que piorem os sentimentos de raiva e desespero, que são percebidos na conduta das pessoas quando adotam sentimentos protetivos de negação da realidade. Por outro lado, o medo do contágio e de morrer levou algumas pessoas a desencadear ataques de pânico e piorar doenças mentais prévias.
Alto nível de ansiedade com pensamentos e demandas repetidas com relação a contaminação, com demanda desnecessária por exames, por estoque de produtos. Irritabilidade, agressividade, alteração no ciclo sono-vigília com insônia por várias noites seguidas, alteração abrupta no peso, baixa energia, fala desesperançada recorrente, labilidade emocional com crises de choro, ideias de que não haverá saída e de cunho catastrófico, consumo de comida ou bebida alcoólica em demasia.
Para as pessoas com maior nível de ansiedade e idosos recomenda-se restrição no acesso às notícias. Informar-se é diferente de “mergulhar a fundo” e ter de lidar com a avalanche diária de notícias catastróficas e preocupantes. Temos convivido com muitos boatos e isto pode provocar impactos emocionais que serão mais difíceis de administrar. As pessoas com transtorno mental e dependência química precisam ser monitoradas, medicadas e sempre que possível manter o vínculo e acesso a seus tratamentos. Se há presença de sofrimento, como pânico ou depressão, não se deve esperar para buscar ajuda médica.
A longo prazo podem ser esperados lutos prolongados, aumento na incidência de depressão resistente a tratamento, condições de transtorno de estresse pós-traumático, abuso de álcool e drogas, aumento da incidência nos transtornos de ansiedade e pânico, transtorno obsessivo compulsivo e burnout dos profissionais que estão na linha de frente. Estes precisam ser acolhidos pela instituição de trabalho.
Tempos de guerra, pedem medidas de guerra. Eu particularmente me detive a assistir mais aulas sobre os temas que me interessam e assumi um novo hobby com a jardinagem, além da rotina habitual de brincar com meus gatos e me exercitar. Se quisermos ajudar no controle da pandemia e lutar contra o inimigo invisível, precisamos ser mais rígidos em nosso comportamento. Nos avaliarmos a cada instante, perguntar a si mesmo quais as medidas de bom senso que estou usando para me proteger, conversar com pessoas que parecem estar mais bem informadas e mais equilibradas, pois isto nos transmite sensação de maior segurança. A tristeza pela falta de liberdade deve ser substituída pelo reconforto em favor da vida da nossa família e do coletivo. Isto não há de durar para sempre. Assumir e entender que estamos vivendo uma pandemia pode trazer muitas inquietações, mas a esperança existe de que saiamos melhor deste processo de ensino civilizatório.