Wearables e o futuro nada distante da medicina conectada

Data 26 de março de 2021

Por: Felipe Cezar Cabral*

 

Não é novidade que a medicina e a tecnologia andam lado a lado. A medicina moderna, inclusive, é altamente dependente dos avanços tecnológicos. Ainda assim, mesmo acostumados com esse cenário, muitas vezes encaramos de frente o desafio que é acompanhar quais tendências vieram para ficar e aprender como, e quando, vamos nos adaptar a elas.

 

Uma tendência que precisa estar no seu radar são os wearables. Fazendo uma tradução literal para o português, o termo significa “tecnologias vestíveis”, ou seja, são aqueles dispositivos eletrônicos que podem ser acoplados em roupas e acessórios, como relógios, pulseiras e smartphones. No segmento fitness, por exemplo, os smartwatches já estão bem consolidados por conseguirem mensurar a contagem de passos, o gasto calórico, os batimentos cardíacos entre outras funcionalidades.

 

Os wearables da saúde são componentes que contribuem para o monitoramento remoto dos pacientes, uma vez que possuem a capacidade de coletar, processar e exibir dados automaticamente em tempo real, o que também pode melhorar a conscientização dos pacientes sobre sua saúde fora do ambiente clínico (1). É a medicina personalizada e centrada no paciente.

Além de incentivar esse autocuidado, os dados fornecidos pelos wearables abrem as portas para uma prática mais eficiente da telemedicina, uma vez que os pacientes podem ser acompanhados de casa por profissionais da saúde muito mais equipados de informações para realizar o atendimento. O que acaba sendo uma solução interessante para idosos ou pessoas com dificuldades de locomoção, que não precisem de um atendimento presencial. É também uma alternativa para evitar que os pacientes fiquem expostos ao ambiente hospitalar, ou do consultório, sem caráter de urgência, principalmente no momento atual que vivemos, de combate à pandemia de Covid-19.

 

Mas não é só isso.

 

A proposta é que os wearables atuem também como uma forte ferramenta de prevenção e detecção de enfermidades, e não apenas de gerenciamento. Um artigo publicado na Nature Partner Journals Digital Medicine (2) aponta que nesse setor emergente da saúde digital, o foco ainda está no diagnóstico e tratamento das doenças, assim como no sistema de saúde tradicional, o que representa uma oportunidade para que os profissionais e empresas da área da saúde explorem e se concentrem também na possibilidade da prevenção.

 

O mesmo artigo (2) corrobora ainda que os wearables estão entre os tipos de tecnologia mais utilizados entre as empresas de saúde que procuram focar em métodos preventivos. Estamos falando de tecnologias que em um primeiro momento foram validadas para detectar ou monitorar uma condição específica, mas que podem ser redirecionadas para impedir que a enfermidade aconteça, identificando sinais de alerta precoce.

 

US Food and Drug Administration, por exemplo, liberou o uso de dispositivos médicos, como os wearables que monitoram a glicose em diabéticos. À medida que essas tecnologias se tornam menos invasivas, elas podem ser validadas em pessoas saudáveis com risco de desenvolver diabetes, podendo identificar alterações que indiquem um risco aumentado para o início da doença, viabilizando o uso de estratégias direcionadas para a prevenção (2).

 

Os wearables e a telemedicina

 

A falta de informações sobre o estado clínico do paciente pode ser um fator limitante durante o teleatendimento e uma barreira enfrentada por muitos profissionais da saúde. É por isso que a possibilidade de facilitar a prática da telemedicina está entre as vantagens mais claras do uso dos wearables (3), uma vez que os dados fornecidos pelos dispositivos podem proporcionar um atendimento ainda mais seguro e completo.

 

O desafio ainda está na mineração desses dados, principalmente nos casos de wearables que não fornecem informações automatizadas, ou seja, quando é necessário um certo esforço do paciente para a captação dos dados médicos. Na prática, isso pode gerar informações imprecisas que dificultam a tomada de decisão clínica, se levarmos em consideração problemas técnicos no wearable utilizado, calibração imprecisa, entradas manuais incorretas, dificuldade em visualizar dados complexos ou ausência de dados por um período de tempo, por exemplo (1).

 

Outro desafio está na integração dos dados gerados pelos wearables com os registros médicos eletrônicos, uma vez que nem sempre fazem parte da mesma plataforma, gerando preocupações com a segurança e a privacidade de dados do paciente. Quando falamos de wearables do consumidor - como os relógios que geralmente são projetados para coletar dados gerais de bem-estar - as incertezas podem ser ainda maiores, se ainda não forem regulamentados ou de qualidade duvidosa (1). 

 

>>> Recomendo atenção com os avanços da Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil - ela garante mais controle da privacidade dos usuários e pode direcionar as pesquisas dos wearables no país.

 

Um workshop conduzido na universidade de Melbourne (1), resultou em um parecer interessante sobre o leque de problemas e soluções que acompanha o uso dos wearables na medicina. Entre os participantes estavam consumidores, clínicos, profissionais de informação em saúde e representantes de empresas de integração de dados e wearables. Podemos observar que a segurança e a transparência dos dados é ainda um problema potencial, bem como a funcionalidade dos wearables na prática.

 

Os participantes do workshop (1) também relataram suas expectativas. Vemos que se espera um código de conduta transparente dos fabricantes dos wearables em relação ao uso dos dados e que os médicos possam educar sobre as melhores práticas de coleta e compartilhamento de dados do paciente.

 

Ou seja, os desafios estão no caminho e ainda há, relativamente, poucas evidências de que os wearables sejam confiáveis o suficiente para que possam ser usados com segurança no atendimento clínico (1). Nada mais justo que os wearables e a telemedicina fomentem o âmbito da pesquisa e do desenvolvimento nos próximos anos (ou seriam meses?). A grande “sacada” está em focar nas soluções que tornem a prática eficiente e segura para todos.

 

Por isso, é primordial que falemos ainda nas escolas de medicina sobre as limitações e as possibilidades da medicina digital e que os profissionais da saúde já formados procurem se especializar e acompanhar de perto essas tendências.

 

Precisamos ter em mente que em um futuro nada distante, não vamos mais discutir se um médico está adotando determinada tecnologia, mas o motivo de não estar usando.

 

O que você acha do uso dos wearables como aliados da medicina tradicional e da telemedicina? Conhece casos em que esses dispositivos apresentaram benefícios para o paciente ou para o atendimento? Convido você a refletir comigo nos comentários!

 

*Coordenador Médico de Saúde Digital do Hospital Moinhos de Vento

 

Referências Bibliográficas

 

1. Abdolkhani R, Gray K, Borda A, DeSouza R. Quality Assurance of Health Wearables Data: Participatory Workshop on Barriers, Solutions, and Expectations. JMIR Mhealth Uhealth. 2020;8(1):e15329. Published 2020 Jan 22. doi:10.2196/15329

 

2. Cohen, A.B., Dorsey, E.R., Mathews, S.C. et al. A digital health industry cohort across the health continuum. npj Digit. Med. 3, 68 (2020). https://doi.org/10.1038/s41746-020-0276-9

 

Receba todas novidades no seu e-mail