Muito se fala sobre os malefícios do cigarro para a saúde, em geral. Mas será que existe alguma relação entre o fumo e a infertilidade? Homens e mulheres que pensam em ampliar a família precisam levar este ponto em consideração? O cigarro pode causar efeitos prejudiciais sobre o DNA do fumante e até dificultar a reprodução assistida?

Para esclarecer estas dúvidas, o Blog Saúde e Você entrevistou a Dra. Isabel de Almeida, coordenadora técnica do Centro de Fertilidade e Reprodução Assistida do Hospital Moinhos de Vento.

Então, Dra. Isabel, será que as pessoas têm consciência do risco da exposição ao cigarro sobre a fertilidade?

Dra. Isabel de Almeida - Usualmente, as pessoas pensam no cigarro e associam com os efeitos negativos sobre o pulmão e não imaginam que outras áreas, como a fertilidade, também possam ser impactadas. Um exemplo disso é a publicação de  uma pesquisa com 388 mulheres que trabalhavam em um hospital norte-americano. Os resultados mostraram que, embora as entrevistadas soubessem do impacto negativo do fumo sobre a saúde, poucas compreendiam os riscos do cigarro sobre a saúde reprodutiva, alertando para o fato de que esse assunto ainda é pouco abordado.

Quais são os riscos do cigarro para a saúde reprodutiva?

Dra. Isabel de Almeida - Uma meta-análise que incluiu estudos realizados de 1966 a 1997 comparou dados de 10.928 mulheres expostas ao cigarro com 19.179 não expostas. Os resultados mostraram que as fumantes demoram mais tempo para engravidar do que as não-fumantes. 

Análises posteriores confirmaram esses achados e mostraram que o atraso na concepção está associado à quantidade de cigarros consumidos, mostrando que a porcentagem de mulheres que levam mais de 12 meses para engravidar é 54% mais alta em fumantes.

Afinal, qual é o impacto do fumo sobre a gestação?

Dra. Isabel de Almeida - O cigarro na gestação é um problema de saúde pública e está associado com maiores taxas de abortamento espontâneo e de gestações ectópicas (gestações que implantam fora do útero), prematuridade, restrição de crescimento intrauterino, descolamento de placenta, ruptura prematura de membranas e mortalidade perinatal.

Existem dados estatísticos sobre o hábito de fumar? 

Dra. Isabel de Almeida - Segundo publicação da Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva, de 2019, cerca de 21% dos adultos nos Estados Unidos consumiam cigarro convencional ou eletrônico (vapes). O hábito de fumar era mais frequente entre os homens, sendo que 25% deles - com idade entre 25/44 anos - eram fumantes. Já entre as mulheres na mesma faixa etária, a prevalência de fumantes era de 14% e um total de 8% afirmou que fumou durante a gestação. 

O hábito de fumar pode estimular a menopausa precoce?

Dra. Isabel de Almeida - A menopausa ocorre de um a quatro anos mais cedo em pacientes fumantes. Os compostos químicos do cigarro aceleram a perda dos folículos ovulatórios e das funções reprodutivas. Concentrações mais baixas de hormônio anti-mulleriano (hormônio que avalia a reserva ovariana) têm sido observadas em mulheres fumantes que realizam fertilização “in vitro” (FIV). Além disso, fumantes que fazem FIV requerem doses maiores de medicação hormonal durante os procedimentos de estimulação ovariana.

O cigarro pode causar efeitos prejudiciais sobre o DNA?

Dra. Isabel de Almeida - O cigarro determina dano sobre o DNA e sobre os cromossomas, aumentando o risco de alterações nos óvulos e nos espermatozoides. O fumo durante a gestação está associado a um risco maior de trissomia do 21 (ou Síndrome de Down), pelas alterações nas divisões celulares. Os espermatozoides de homens fumantes também sofrem mutações em seu DNA, podendo aumentar os riscos reprodutivos.

O cigarro pode dificultar a reprodução assistida?

Dra. Isabel de Almeida - O cigarro compromete a qualidade oocitária e os estudos mostram que fumantes necessitam de mais ciclos de FIV para obterem uma gestação, sendo o risco de abortamento espontâneo pós-FIV mais alto em fumantes. Os estudos ainda mostram que as mulheres fumantes usam mais medicações hormonais nos ciclos de FIV, além de terem um maior número de ciclos cancelados por má-resposta e menor número de óvulos captados.

E os cigarros eletrônicos?

Dra. Isabel de Almeida - Estudos em animais têm demonstrado que o uso de cigarros eletrônicos, ou vapes, também alteram a receptividade uterina, prejudicando a implantação do embrião e aumentando as taxas de abortamento. Ainda diminui a qualidade dos espermatozoides, aumentando o estresse oxidativo e diminuindo os níveis de testosterona.

Dessa forma, apesar dos dados em humanos ainda serem escassos, estas análises em animais envolvendo os cigarros eletrônicos sugerem que os mesmos prejudicam a saúde reprodutiva e que o seu uso pode ser prejudicial para a gestação.

Quais são as recomendações mais importantes?

Dra. Isabel de Almeida - Os estudos mostram que é importante adotar medidas educativas que informem sobre os efeitos nocivos dos cigarros convencionais e eletrônicos sobre a saúde em geral e, especificamente, sobre a saúde reprodutiva. 

Além disso, suporte emocional, medicamentoso e  acompanhamento a longo prazo devem ser oferecidos a todos os fumantes para que consigam interromper o consumo de cigarro.

Quais são as conclusões mais atualizadas sobre o tema? 

De acordo com a Dra. Isabel de Almeida, a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva concluiu que:

1. O fumo está associado à diminuição da fecundidade em mulheres, bem como ao aumento dos riscos de abortamento espontâneo e gestação ectópica;
2. O cigarro parece acelerar a perda da função reprodutiva e pode antecipar a menopausa, de um a quatro anos;
3. O cigarro está associado a piores resultados na fertilização “in vitro” (FIV), sendo que as fumantes necessitam quase o dobro de tentativas de FIV para engravidar quando comparadas com o grupo de não-fumantes;
4. Estudos em animais sugerem que os cigarros eletrônicos trazem danos para a saúde reprodutiva e seu uso não é seguro na gestação.

Fonte: A Dra. Isabel de Almeida (CRM 16091) é coordenadora técnica do Centro de Fertilidade e Reprodução Assistida e coordena o projeto “Valorize a sua Fertilidade”.