Em entrevista, epidemiologista gaúcho comenta como estudo liderado por ele influenciou na elaboração de políticas públicas mundiais sobre o aleitamento materno 

Considerado um dos mais respeitados epidemiologistas em saúde infantil no mundo, o pesquisador e membro da Associação Hospitalar Moinhos de Vento, Cesar Victora, revolucionou os estudos sobre o aleitamento materno na década de 80. O cientista comprovou, por meio de sua pesquisa, que o aleitamento exclusivo – sem água ou chás – reduz em 14 vezes o risco de morte infantil por diarreia e em 3,6 vezes por doenças respiratórias.  

O trabalho do epidemiologista gaúcho influenciou políticas mundiais que contribuíram para melhorar as condições de saúde de crianças e de mulheres, principalmente aquelas com maior vulnerabilidade social e mudou as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Em entrevista concedida ao Hospital Moinhos de Vento, Victora fala sobre a sua contribuição para os estudos do aleitamento, o cenário da pesquisa no Brasil e a sua relação com o Hospital.  

Confira:

Por que escolheste a área de epidemiologia e, em especial, a saúde infantil? O interesse surgiu durante a faculdade?

Eu escolhi a epidemiologia porque, durante a faculdade de medicina, eu estava  muito envolvido no movimento ambiental, na ecologia – e a epidemiologia, na verdade, representa a ecologia humana. Então, surgiu este interesse em trabalhar na parte de medicina preventiva, saúde coletiva e epidemiologia.  

E o interesse na criança é porque até o sexto ano eu não tinha resolvido se iria fazer saúde comunitária ou pediatria. Eu optei por saúde comunitária, fiz a residência no São José do Murialdo, mas a pediatria continuou sendo uma paixão, por isso me dediquei aos estudos da criança.

Como tu vês a pesquisa hoje no Brasil e, na tua opinião, como podemos qualificá-la?

A pesquisa no Brasil teve um desenvolvimento enorme a partir do ano 2000 em termos de cursos de graduação, pós-graduação e doutorado, principalmente, mas nós estamos em uma crise terrível. Os nossos melhores alunos de doutorado, por exemplo os do programa de epidemiologia em que eu participo, acabam indo para o exterior trabalhar em países ricos onde as condições de pesquisa são melhores. Recentemente, aconteceram cortes nas bolsas do CNPq e de verbas de outras agências financiadoras da pesquisa.  

Um dos teus estudos mais famosos relaciona o aleitamento materno à inteligência e ao nível de escolaridade e renda na fase adulta. Achas que o incentivo ao aleitamento materno poderia ser maior? No que ainda é preciso avançar neste sentido?

Eu acho que a principal contribuição do estudo do aleitamento e inteligência é mostrar que, em primeiro lugar, o aleitamento tem consequências a longo prazo. Ele não é só importante para a criança pequena –  quando previne a mortalidade e ajuda a crescer de maneira mais sadia–, mas continua tendo efeito duradouro durante a vida inteira da pessoa. Isso é particularmente importante porque, na medida que cai a mortalidade infantil, que diminuem as doenças infecciosas na primeira infância, algumas pessoas começaram a achar que o aleitamento não seria tão importante. E, continuando o aleitamento, a gente mostrou que tem benefícios que se prolongam para a vida inteira. Sem falar dos benefícios para a mãe, principalmente a redução do câncer de mama e do câncer de ovário, que está comprovado cientificamente.  

Eu costumo dizer que o aleitamento é importante em países pobres e em países ricos. Para famílias pobres e para famílias ricas. Porque não é só a proteção contra as doenças infecciosas, contra a mortalidade infantil, que constitui um benefício do aleitamento, mas que ele tem efeitos benéficos e duradouros sobre a mãe que amamenta e sobre a criança que é amamentada mesmo na sua fase adulta.  

Qual a importância dos primeiros mil dias na vida de uma criança? Esse tempo pode definir a saúde dela no futuro?

O conceito da importância dos primeiros mil dias nasceu de diversos estudos no mundo, inclusive a coorte* de 1982 de Pelotas, que foi iniciada pelo professor Fernando Barros e por mim, há 40 anos. Essa coorte mostra como é importante tudo aquilo acontecesse durante a gestação e nos dois primeiros anos de vida para toda a saúde e o capital humano do adulto. Nós falamos muito em capital humano porque ele inclui a pessoa crescer adequadamente, ser um adulto com uma altura correspondente à sua programação genética, quer dizer que ele não passou subnutrição na infância e é uma pessoa mais inteligente porque o seu cérebro desenvolveu adequadamente. Isso porque 70% do desenvolvimento cerebral ocorre durante os primeiros mil dias de vida. Sem falar nos efeitos intergeracionais, uma mulher que sofreu subnutrição, maus cuidados ou poucos cuidados de saúde nos primeiros mil dias terá problemas. Quando ela for mãe, terá filhos que terão baixo peso ao nascer, provavelmente, e que vão apresentar uma série de problemas. Portanto, os efeitos dos primeiros mil dias da mãe se prolongam para a geração subsequente. Então, é muito importante investir pesadamente em recursos de saúde, de nutrição, de estimulação ao desenvolvimento psicomotor em crianças menores de mil dias.  

* Pesquisa coorte: definida como uma forma de pesquisa observacional, longitudinal e analítica que objetiva estabelecer um nexo causal entre os eventos a que o grupo foi exposto e o desfecho da saúde final dessas pessoas.

Houve alguma surpresa ao reencontrar essas pessoas 30 anos depois, durante este estudo?  

A principal contribuição é evidenciar como os acontecimentos que ocorrem durante a gestação, no início da vida, tem uma influência duradoura sobre a saúde e sobre o capital humano nos adultos. Foi muito recompensador encontrar essas pessoas 30 anos depois, além disso, para 2022, nós já estamos planejando o acompanhamento dos 40 anos.  

Nós pretendemos continuar seguindo esta coorte, agora os pesquisadores mais jovens já estão tomando conta. Uma vez que existe uma coorte de nascimento, os pesquisadores que iniciaram a coorte, no caso o Fernando barros e eu, acabam se aposentando antes da coorte ser completada. É um estudo enorme, tem coortes em outros países com 60, 70 anos de duração, mas principalmente em países ricos. Em países de renda média ou baixa, como é o caso do Brasil, as coortes são muito raras, têm poucos estudos.  

De todos os trabalhos desenvolvidos, quais tu destacarias como mais importantes e que te orgulham?

Entre todos os trabalhos que fiz, acho que o que mais me deixou satisfeito foi o meu papel, junto com os pesquisadores de seis outros países, em criar as curvas de crescimento infantil da Organização Mundial de Saúde (OMS). São 150 países no mundo atualmente, a maioria dos países desenvolvidos inclusive, adotaram as nossas curvas de crescimento. Eu fico muito feliz porque os meus dois netos, o Fernando, que nasceu em Cambridge, Massachusetts, quando ia no Hospital do IMT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), seu crescimento era aferido com a curva que eu ajudei a criar. Sem falar no Arthur, o meu neto mais novo – que nasceu no Hospital Moinhos de Vento – e que também, quando vai na sua pediatra, é medido com as mesmas curvas que são adotadas no Brasil, nos Estados Unidos, na Inglaterra, nos países escandinavos, na grande maioria do mundo. Isso é muito recompensador.

Podes comentar brevemente a sua relação com o Hospital Moinhos de Vento? E como enxerga este momento de foco em pesquisa e inovação que temos vivido?

Eu sou associado do Hospital há algum tempo e, embora eu não tenha nenhuma atividade de pesquisa diretamente relacionada com o Hospital, eu vejo com muito bons olhos os grandes investimentos que estão sendo feitos nas áreas de pesquisa e de pós-graduação. Creio que é um investimento válido, nós precisamos de maiores investimentos nessa área e o Hospital, pelo seu potencial, pelo seu grande escopo de atendimento de pessoas, ele é um lugar onde se permite fazer estudos de alta qualidade. Eu vejo com muita satisfação o crescimento da área de pesquisa dentro do Moinhos de Vento.  

 

Epidemiologista gaúcho comenta como seu estudo modificou as políticas públicas mundiais sobre o aleitamento materno - Crédito: Daniela Xu

 

Conheça o serviço Amamentar, uma iniciativa do Hospital Moinhos de Vento pensada para  dar todo o apoio às mães de recém nascidos e lactentes no processo de amamentação. Para mais informações acesse: https://www.hospitalmoinhos.org.br/institucional/servicos/amamentar .

 

Agradeçemos pela sua inscrição!

Prêmios e Certificações

Entrada 1 - Rua Ramiro Barcelos, 910 - Moinhos de Vento, Porto Alegre - RS, 90035-000
Entrada 2 - Rua Tiradentes, 333
Av. João Wallig, 1800 - 3º andar - Shopping Iguatemi Porto Alegre
Avenida Cristóvão Colombo, 545 - Espaço Comercial P5-1