Na inovação, seremos ilha ou recife?

Data 19 de outubro de 2022

Há mais de 10 anos, Steven Johnson publicou o clássico De onde vêm as boas ideias, que se mostra cada vez mais atual. Ele ajuda a desconstruir pensamentos enraizados: para o autor, as grandes inovações criadas pela humanidade não resultam somente de prodigiosos talentos individuais. Ao contrário do que pensamos, as maiores invenções florescem em ambientes e condições específicas para isso — e que talvez possamos replicar estas condições para o bem da humanidade.

 

O “normal”, em muitos momentos, é antagônico ao “novo”. E quando os paradigmas são substituídos, a própria percepção do mundo é modificada. Mas isso somente é possível através da conexão das pessoas e dos ambientes, a partir de um olhar inquieto, resiliente e universal.

 

Ninguém consegue construir algo sozinho. Em sua obra Johnson apresenta o paradoxo de Darwin: em suas observações das ilhas Cocos, no Oceano Índico, o naturalista percebe a aparente contradição entre dois ambientes tão próximos. Em terra firme, a natureza parece mesquinha e pobre, com poucos atrativos. Já o recife de coral que compõe os atóis é um espaço exuberante de vida, com uma diversidade biológica fervilhante.

 

Como é possível haver tamanha discrepância? O filósofo parte desse exemplo para analisar conceitos relativos à inovação em nosso dia a dia, concluindo que a imaginação criativa do recife não se dá pela individualidade entre os organismos, mas justamente pela colaboração. Espécies diversas como o coral, a zooxantela e o peixe-papagaio emprestam e reinventam o trabalho um dos outros. Um processo que ajuda a compreender esse esplendor biológico, mas fundamentalmente fomentar novas ideias.

 

Não por acaso, algumas das maiores inovações da história surgiram, justamente, em ambientes propícios a essa troca de ideias, como os cafés do século 18, espaços formadores de intelectuais. Locais de conexão, de trocas e de inquietude, onde seus adeptos vivenciavam diversos pontos de vista, e a partir deste ecossistema eram estimulados a olhar além do imaginável. Uma hipótese bem-humorada, mas não impossível, de dar ao café o crédito pelo iluminismo e pela aceleração do conhecimento.

 

Evoluímos dos cafés para locais como nosso Centro de Inovação Atrion, lançado há pouco mais de um ano, que já está com inúmeras frentes unidas em prol de um mesmo objetivo: resolver as problemáticas inerentes do campo da saúde. Sabemos que este mercado necessita de um olhar diferenciado — e são fundamentais os pontos de vista e a experiência de inúmeras disciplinas: a engenharia, a matemática, a medicina, a TI, entre outras. Estes são terrenos férteis para fomentar inovações. Boas ideias precisam dessa troca constante, e não confinadas em caixas onde são incapazes de florescer. Precisam ser compartilhadas e conectadas a outros olhares capazes de aperfeiçoar seu desenvolvimento.

 

As plataformas atraem e fortalecem ideias que contribuem não apenas para os nossos pacientes, mas também para qualificar os serviços de saúde em todo o país. E fazemos isso sem um olhar estanque dentro da instituição em si, mas abertos às diferentes visões, gerações e perfis, que podem se somar à medicina tradicional. Trata-se de mais um capítulo de uma história quase centenária que possui, em sua essência, a inovação — compromisso que se faz presente desde a nossa inauguração, em 1927, ainda como Deutsches Krankenhaus.

 

Esse esforço, afinal, vai além de nossos próprios terrenos. Como o coral de Darwin, ela prospera com esta relação simbiótica entre diferentes espécies. Nesse sentido, áreas das mais distintas podem se aprimorar numa relação compartilhada, levando-nos a encontrar respostas que não esperávamos ou sequer procurávamos. Algo, como definiria Johnson, que passa por abraçar e estimular a serendipidade, processo que abre portas para algo que não tínhamos percebido.

 

Em termos práticos, criar esse ambiente exige uma série de ações: Mais liberdade, para que indivíduos e empresas criem, empreendam e compartilhem ideias. Mais profundidade, pois é a partir do esgotamento e da complexidade de um tema que as evoluções surgem. Mais flexibilidade e adaptabilidade, porque precisamos ser líquidos para que mudança ocorra. E não menos importante, as ideias precisam esta conectadas, fazendo das escolas, instituições e universidades nascedouros de cidadãos capazes de unir passado e futuro, desenvolvendo a sociedade, a economia e a ciência.

 

E de onde virão as boas ideias do amanhã? A resposta passa pela vontade e pelo sonho, e estamos aptos a conquistar tudo que merecemos e desejamos. Mas precisamos querer, construindo as bases para que elas surjam. Seremos a ilha isolada do mundo, tão seca e pequena em sua diversidade ou seremos o recife de coral, rico em vida, profundo, dinâmico, e, sobretudo, unido e colaborativo? O futuro nos dirá.

 

 

Mohamed Parrini - mohamed.parrini@hmv.org.br

CEO do Hospital Moinhos de Vento

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