Telemedicina: os futuros médicos estão preparados para isso?

Data 26 de março de 2021

Por: Felipe Cezar Cabral* 

 

A pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, segue nos holofotes da área da saúde. Em março de 2020 os casos começaram a crescer e desde então os profissionais da saúde estão encarando uma série de desafios, não apenas com a Covid-19, mas com outras doenças ou emergências médicas que fazem com que muitas pessoas precisem ir ao hospital ou consultórios médicos.

 

Com a clara recomendação de isolamento social para controlar a expansão da pandemia, a telemedicina, que já estava se impondo no Brasil, ganhou ainda mais espaço, como uma eficiente e segura alternativa de atendimento. Essa forma de prestação de cuidados médicos usa as telecomunicações como suporte e tem como principal objetivo melhorar o acesso aos serviços de saúde para pacientes que enfrentam barreiras, como falta de transporte e restrições econômicas, ou limitações, como as impostas pelo cenário atual que estamos vivendo.

 

Com o início da pandemia no Brasil, o Hospital Moinhos de Vento, por exemplo, ampliou o modelo de teleconsultas para um teleatendimento focado em doenças respiratórias e emocionais decorrentes da pandemia. Em pouco mais de 2 meses já foram realizados mais de 1600 consultas, aliviando assim o atendimento nas emergências e deslocamentos desnecessários. Além disso, passamos a auxiliar o sistema único de saúde, através do PROADI-SUS, em teleconsultas de cardiologia e neurologia - com possibilidade de expansão para outras especialidades em curto prazo.

 

De uma maneira eficaz em termos de custos, a telemedicina também reduz certas ineficiências na prestação de cuidados com a saúde, o que pode reduzir o número de pacientes presenciais, tempo de viagem e tempo de espera. Ela ainda é uma alternativa útil para consultas especializadas, avaliações de cuidados primários, avaliações pré-operatórias e acompanhamentos pós-operatórios (1).

 

Fato é que o uso do atendimento à distância está crescendo, o que torna cada vez mais necessário o treinamento dos futuros médicos para que esses possam exercer a telemedicina com excelência, principalmente se levarmos em consideração a alta possibilidade de que esse modelo continue em expansão no cenário pós-pandemia. Com isso em mente, é interessante analisar se os futuros médicos estarão preparados para essa nova realidade.

 

As novas e futuras gerações de profissionais da saúde cresceram na era da tecnologia. Essa familiaridade com a tecnologia deve ser cultivada em um ambiente acadêmico para garantir que eles desenvolvam as habilidades necessárias para incorporar a telemedicina na prática (1). Mas, para chegarmos nesse patamar, é importante que a telemedicina se regularize no Brasil, de maneira duradoura, e comece a ser incentivada nas universidades.

 

Com a atual pandemia, é muito provável que a regularização da telemedicina tenha avanços rápidos e significativos depois que a crise passar, com base nas mudanças já realizadas. A portaria n° 467, publicada em 23 de março de 2020, por exemplo, levou em conta a pandemia de Covid-19 para autorizar que “as ações de telemedicina de interação à distância podem contemplar o atendimento pré-clínico, de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação, no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar e privada.”

 

Questões éticas e legais ainda rondam o tema, o que muitas vezes inviabilizam o treinamento formal em telemedicina, resultando em profissionais que se sentem incapazes de praticá-la justamente por não conhecerem o cenário regulatório. Por isso, mais do que seguirmos com a efetiva regularização, é fundamental que o conceito e o treinamento formal comece a fazer parte da rotina universitária.

 

Principais desafios

 

Um estudo do Departamento de Medicina de Emergência, da Universidade George Washington (1), aponta que ainda faltam pesquisas para mostrar se estudantes de Medicina e residentes nos Estados Unidos estão recebendo exposição adequada à telemedicina. Além disso, as universidades e programas de residência não possuem um guia uniforme para as competências dos alunos em telemedicina, como fazem para outras especialidades. E olha que estamos falando de um país muito mais avançado nesse modelo de atendimento que o Brasil.

 

O estudo (1) também revela que a cada ano acadêmico, a porcentagem de escolas que oferecem cursos de telemedicina aumentam, como você pode analisar nos dados abaixo, chegando a 60% em 2018:

 

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Fonte: Departamento de Medicina de Emergência, da Universidade George Washington (1)

 

Entre os principais desafios apontados pelo estudo (1), para que a implementação da educação em telemedicina aconteça, está a mudança na cultura, ou seja, é fundamental que a tecnologia seja um componente central das escolas de medicina e que as mesmas contem com uma equipe de médicos para implementar competências clínicas, supervisionar o desenvolvimento de professores e alunos, inovar os fluxos de trabalho de tecnologia clínica, estabelecer políticas e métodos de avaliação e ainda considerar o uso apropriado das mídias sociais e da telemedicina.

 

É um consenso entre estudantes, professores e profissionais da saúde que as interações com a telemedicina durante a graduação são importantes ferramentas educacionais que auxiliam na compreensão das competências essenciais na aprendizagem baseada na prática, no conhecimento e na assistência ao paciente (1).

 

Para isso, o treinamento e a preparação contínua daqueles que realizam a telemedicina também é importante. Isso ajudaria muito no desempenho dos serviços profissionais da saúde e na expansão da telemedicina tanto nas universidades, como no dia a dia da população.

 

Além disso, para que a prática global da telemedicina aumente e para que as próximas gerações de profissionais da saúde estejam preparadas para isso, é essencial uma certa padronização das leis. Uma das preocupações mais críticas em relação à isso está na privacidade dos dados, que deve ser garantida não só pelos dispositivos que facilitam a telemedicina, como pelos profissionais da saúde (2).

 

Estamos preparados?

 

Fica claro que a familiarização dos estudantes de medicina com a telemedicina é essencial, uma vez que essa forma de atendimento segue como uma forte tendência no mundo todo. Nem todos os profissionais que já atuam entendem as possibilidades da telemedicina, seja por falta de conhecimento em tecnologia, seja pelas lacunas na legislação atual.

 

Por isso, para que as próximas gerações se sintam preparadas e confortáveis com a telemedicina, ainda temos um longo trabalho pela frente. É necessário examinar mais detalhadamente onde e como a educação e o treinamento se encaixam na grade curricular das universidades e nos programas de residência, para que todos os alunos recebam pelo menos um nível básico de conhecimento na área.

 

Futuros médicos e profissionais da saúde precisam estar equipados para que a telemedicina seja uma habilidade valiosa para atender a população, principalmente quem não têm acesso direto à um atendimento médico de qualidade. Essa análise transforma os métodos de implementação da telemedicina na educação em um estudo muito promissor: quem perceber isso, pode sair na frente e se destacar em um futuro próximo.

 

*Coordenador Médico de Saúde Digital do Hospital Moinhos de Vento

 

Referências Bibliográficas

 

1. Pourmand, Ali & Ghassemi, Mateen & Sumon, Kazi & Amini, Saeid & Hood, Colton & Sikka, Neal. (2020). Lack of Telemedicine Training in Academic Medicine: Are We Preparing the Next Generation?. Telemedicine and e-Health. 10.1089/tmj.2019.0287. 

 

2. Nittari, Giulio & Khuman, Ravjyot & Baldoni, Simone & Pallotta, Graziano & Battineni, Gopi & Sirignano, Ascanio & Amenta, Francesco & Ricci, Giovanna. (2020). Telemedicine Practice: Review of the Current Ethical and Legal Challenges. Telemedicine and e-Health. 10.1089/tmj.2019.015

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